"Abaixo a Lei de Gérson"
Matéria Publicada no Jornal Performance Faria Lima.
Por Luciana Mello
A questão ética e moral nunca esteve tão em evidência em nosso País. Com a divulgação de esquemas como o das Sanguessugas e do Mensalão, vemos a corrupção estabelecida no Brasil. Denúncias atingem os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e nossos representantes há muito deixaram de lado a política, passando a viver a politicagem.
A falta de ética, no entanto, atinge não só os detentores do Poder, mas toda a sociedade, que parece ter mudado seus valores com o passar dos anos. Foi-se o tempo em que a palavra dada representava uma garantia. Atualmente as pessoas cometem pequenos delitos sem se preocupar com as conseqüências, muitas vezes com a certeza de que sairão impunes.
As crianças crescem tendo como exemplo uma quase total inversão de valores. Honestidade deixou de ser regra e passou a exceção. Já nos anos 70, a Lei de Gérson pregava que o importante é "levar vantagem em tudo". Quem pensa diferente é visto como tolo, ingênuo. A cultura da esperteza a cada dia é mais aceita.
Parece inútil qualquer tentativa para modificar toda essa situação. A mudança, porém, depende de gestos e atitudes de cada um de nós - no trabalho, na escola, em casa, enfim, em nossa vida na comunidade. De nada adianta cobrar comportamentos exemplares dos políticos, se por vezes também agimos de maneira errada. Este é o assunto que o Performance Faria Lima trata nesta edição.
Cultura da esperteza
Na década de 70, o jogador Gérson, tricampeão com a Seleção Brasileira de Futebol, protagonizou uma campanha publicitária de uma marca popular de cigarros, tentando convencer o consumidor de que ela era a mais vantajosa por ser boa e barata. O produto era, portanto, indicado para quem "gosta de levar vantagem em tudo". O slogan da campanha foi um sucesso e, adaptado, fez surgir a Lei de Gérson, para desconsolo do craque, que viu seu nome associado à malandragem.
Mesmo após tantos anos, a "lei" sobrevive e pode explicar a "cultura da esperteza" do nosso povo, a cada dia mais aceita. O "jeitinho brasileiro" é motivo de orgulho para alguns. A toda hora há alguém tentando levar vantagem, seja sonegando impostos, pagando propina para livrar-se da burocracia, fazendo ligações clandestinas de TV a cabo, água ou luz, adulterando e falsificando documentos, ou ainda comprando produtos piratas, estacionando em fila dupla e furando fila. Quem não aproveita essas "facilidades" é chamado de ingênuo.
Até ter o nome "sujo na praça" para alguns deixou de ser motivo de constrangimento. O consumidor é seduzido pelo aumento da oferta de crédito, mas esquece que seu rendimento não cresce na mesma proporção e acaba na inadimplência. Para conseguir quitar suas dívidas, contrai novo crédito, tornando-se um eterno devedor. E o pior: se acostuma a essa situação. Da mesma maneira, a "palavra dada" já não tem o mesmo peso de antigamente, quando contratos não eram necessariamente assinados.
O comportamento moral da geração atuante hoje no País é muito diferente se comparado ao de épocas anteriores. Para Aleksandro Clemente, membro da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB/SP e do Idecrim (Instituto de Defesas Criminais), isso ocorre porque a geração atual não tem ideais: "Hoje se valoriza mais o "ter" do que o "ser". Por isso os valores dessa geração são apenas o dinheiro, o carro, a beleza, o físico perfeito, e não a solidariedade, a amizade, o respeito, o cumprimento da palavra dada, a religião, a família...".
E a impunidade agrava esse quadro, acredita o advogado. "Na medida em que a impunidade vai se tornando regra, perde-se a percepção de que o indivíduo deve pautar sua conduta nos valores éticos e morais". Clemente acrescenta: "Rui Barbosa, um dos maiores juristas que o Brasil já teve, dizia que chegaria o dia em que, de tanto ver os desonestos triunfarem, o cidadão de bem teria vergonha de ser honesto. E este dia está perto!"
Corrupção
A ética está em pauta em todo o País e não só porque estamos em ano eleitoral, mas sim porque o Brasil parece viver a pior crise moral de sua história. O combate à corrupção nunca se fez tão necessário. Apesar disso, políticos denunciados por envolvimento em esquemas fraudulentos apareceram pedindo voto no horário de propaganda gratuita, apostando na memória curta, no desconhecimento ou no perdão do eleitor. E não foram poucos os eleitores que absolveram seus candidatos antes da Justiça.
Recentemente, declarações de alguns artistas geraram polêmica. O ator Paulo Betti, conhecido por seu engajamento político, afirmou que "não dá pra fazer política sem sujar as mãos". Mais tarde, Betti disse ter sido mal compreendido. No mesmo episódio, o músico Wagner Tiso declarou não estar preocupado com a ética do PT e que o partido fez o jogo que tem que fazer para governar.
Já o senador Jefferson Péres, candidato a vice-presidente na chapa do PDT, para quem o atual Congresso é o pior que ele já conheceu, mostrou sua indignação e desencanto anunciando o fim de sua carreira política. O senador revelou ainda estar decepcionado com parte do povo e da elite, que, segundo ele, "compactua" com o que está ocorrendo, mesmo estando bem-informada.
Aleksandro Clemente admite que a recente crise política do País mostrou que muitos atos de corrupção sempre foram praxe no cenário político brasileiro, embora só agora fossem escancarados, mas contradiz a regra "a ocasião faz o ladrão". Para ele, a ocasião não faz, ela "mostra" o ladrão: "Uma pessoa honesta não se tornará desonesta só porque lhe apareceu a oportunidade. É uma questão de formação."
De acordo com Clemente, a banalização da corrupção leva a população a aceitar e perdoar os corruptos. "Quando se olha para a corrupção como uma coisa banal que "todo mundo faz", ou quando se diz que "todo político é corrupto", isso gera uma sensação de que não adianta lutar para mudar, pois tudo vai continuar do mesmo jeito. E isso é prejudicial, pois as pessoas vão se acostumando com o errado e o certo passará a ser exceção."
Crise Moral
Clemente acredita que a crise moral e ética pela qual passamos, vem da cultura hedonista que tomou conta das sociedades modernas. "Atualmente, prevalece a idéia de que são mais importantes os "meus" bens, a realização das "minhas" vontades, o "meu" prestígio pessoal e o "meu prazer imediato". Assim, o indivíduo passa a agir de modo que os seus interesses prevaleçam sobre os interesses coletivos e não o contrário, como deveria ser. Na atual sociedade, principalmente na classe política (mas não só nela), não há mais o respeito pelos bens coletivos, daí a nossa falência em termos de moralidade e ética".
Apesar do quadro desestimulante apresentado, fica a pergunta: é possível reverter toda essa situação? Para Clemente é preciso que as pessoas passem a dar maior importância às questões políticas do país: "Tem que aprender a gostar de política, porque ela influencia a vida de todos. Tem que se organizar, reivindicar, cobrar, e, sobretudo, tem quer ter espírito de solidariedade". Depende, portanto, de gestos e atitudes de cada um de nós, em nossas casas, no trabalho e, principalmente, em nossa vida na comunidade.
É necessário que cada um faça a sua parte, tendo claro que nem tudo que é legal, é moral ou justo. E Aleksandro Clemente lembra: "Mesmo a Lei pode trazer efeitos negativos à sociedade. Isso porque ela é feita por homens, os mesmos homens que muitas vezes carecem de valores éticos e de senso de justiça".
Luciana de Melo
Segundo o Dicionário Aurélio:
Moral
sf – Filos. - Conjunto de regras de conduta ou hábitos considerados como válidos, para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada.sm - O conjunto das nossas faculdades morais; brio, vergonha.
Ética
sf – Filos. - Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto.