quinta-feira, outubro 26, 2006

Devedor sim, bobo não!

Por Aleksandro Clemente

É comum por parte das administradoras de condomínios, aproveitando-se da ingenuidade das pessoas, cobrar dos condôminos em débito com a quota condominial valores indevidos. Um exemplo disso é a cobrança dos chamados "honorários advocatícios de sucumbência".

Costumam as administradoras exigir do devedor, quando da realização de um acordo, além da multa e dos juros (que muitas vezes são abusivos) um percentual de 20% sobre o débito parcelado, alegando ser relativo aos honorários do advogado. Tal cobrança, além de abusiva, é absolutamente ilegal. Primeiro porque as administradoras de condomínios não são sociedades de advogados, por isso não podem cobrar honorários advocatícios, conforme preceitua a Lei 8.906/94. Segundo porque, se o morador está efetuando um acordo junto à administradora, não há processo, logo, não há que se falar em "honorários advocatícios de sucumbência", que só é devido por quem é condenado em um processo judicial.

Só será devido esse tipo de honorário se o morador for acionado na justiça e vir a perder a causa, podendo, ainda assim, o juiz aplicar percentual abaixo de 20%, pois esse é o percentual máximo estabelecido pela lei. E mesmo condenado, se o devedor comprovar insuficiência de recursos (em regra é por isso que ele não paga o condomínio) e for beneficiado pela Assistência Judiciária, estará dispensado dessa verba, nos termos da Lei 1.060/50.

Em suma, em se tratando de acordo para parcelamento de débito de quota condominial, só podem ser cobrados, sobre o valor corrigido, a multa, que não pode passar de 2%, e os juros legais, que, caso não haja estipulação em contrário na convenção do condomínio, não podem passar de 1% ao mês, conforme o disposto no Novo Código Civil. Qualquer verba diferente dessas é indevida, e o condômino pode recusar-se a pagá-la, porque devedor todos podemos ser, mas, bobo não!

sábado, outubro 21, 2006

O Deficiente e o Mercado de Trabalho

Por Aleksandro Clemente
Clara - Joana Morcazel
Neste ano, a campanha da fraternidade da Igreja Católica tratou da inclusão social da pessoa portadora de deficiência com o lema: “Levanta-te, vem para o meio” (Mc. 3,3). A CNBB foi muito feliz na escolha do tema, porque tratar com dignidade e igualdade de direitos aqueles que possuem alguma deficiência é um dever de toda a sociedade. O assunto voltou a ser debatido por ocasião da novela de Manoel Carlos (Páginas da Vida), exibida pela Rede Globo de Televisão, que conta a estória da pequena Clara, personagem da atriz mirim Joana Morcazel, portadora de síndrome de dawn. Assim, aproveitando o momento, também gostaria de dar a minha contribuição fazendo alguns comentários sobre a inclusão do deficiente no mercado de trabalho.
O artigo 93 da Lei 8.213/91 (Lei da Previdência Social) determina que as empresas com 100 (ou mais) empregados reservem de 2% a 5% de suas vagas para os chamados “beneficiários reabilitados” ou “pessoas portadoras de deficiência habilitadas”. Do mesmo modo, o artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal (CF) determina que o governo também contrate pessoas deficientes, mediante reserva de vagas nos concursos públicos. Tal determinação está baseada nos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), do valor social do Trabalho (art. 1º, IV, da CF) e, principalmente, da igualdade de direitos, previsto no artigo 5º da Constituição Federal que diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Por fim, o artigo 7º, inciso XXXI, da Constituição Federal proíbe expressamente qualquer discriminação no tocante ao salário e critérios e admissão do trabalhador portador de deficiência. Desta forma, é direito da pessoa portadora de deficiência ocupar postos no mercado de trabalho, desde que haja compatibilidade entre a deficiência e a função a ser exercida. A não contratação de uma pessoa pelo simples fato dela apresentar alguma deficiência é discriminação e pode ensejar, além de multas, a pena prevista no artigo 8º da Lei 7.853/89, que vai 01 a 04 anos de prisão (reclusão).
A legislação brasileira prevê inúmeros outros direitos às pessoas com necessidades especiais. Por isso, a fim de esclarecer toda a população, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, também lançou neste ano a cartilha: “Deficiência com Eficiência” que traz os principais direitos do deficiente.
Cabe a cada um de nós lutarmos pela inclusão dos deficientes, acolhendo-os com amor e alegria, sem preconceitos.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Abaixo a Lei de Gérson

"Abaixo a Lei de Gérson"
Matéria Publicada no Jornal Performance Faria Lima.
Por Luciana Mello
A questão ética e moral nunca esteve tão em evidência em nosso País. Com a divulgação de esquemas como o das Sanguessugas e do Mensalão, vemos a corrupção estabelecida no Brasil. Denúncias atingem os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e nossos representantes há muito deixaram de lado a política, passando a viver a politicagem.
A falta de ética, no entanto, atinge não só os detentores do Poder, mas toda a sociedade, que parece ter mudado seus valores com o passar dos anos. Foi-se o tempo em que a palavra dada representava uma garantia. Atualmente as pessoas cometem pequenos delitos sem se preocupar com as conseqüências, muitas vezes com a certeza de que sairão impunes.
As crianças crescem tendo como exemplo uma quase total inversão de valores. Honestidade deixou de ser regra e passou a exceção. Já nos anos 70, a Lei de Gérson pregava que o importante é "levar vantagem em tudo". Quem pensa diferente é visto como tolo, ingênuo. A cultura da esperteza a cada dia é mais aceita.
Parece inútil qualquer tentativa para modificar toda essa situação. A mudança, porém, depende de gestos e atitudes de cada um de nós - no trabalho, na escola, em casa, enfim, em nossa vida na comunidade. De nada adianta cobrar comportamentos exemplares dos políticos, se por vezes também agimos de maneira errada. Este é o assunto que o Performance Faria Lima trata nesta edição.
Cultura da esperteza
Na década de 70, o jogador Gérson, tricampeão com a Seleção Brasileira de Futebol, protagonizou uma campanha publicitária de uma marca popular de cigarros, tentando convencer o consumidor de que ela era a mais vantajosa por ser boa e barata. O produto era, portanto, indicado para quem "gosta de levar vantagem em tudo". O slogan da campanha foi um sucesso e, adaptado, fez surgir a Lei de Gérson, para desconsolo do craque, que viu seu nome associado à malandragem.
Mesmo após tantos anos, a "lei" sobrevive e pode explicar a "cultura da esperteza" do nosso povo, a cada dia mais aceita. O "jeitinho brasileiro" é motivo de orgulho para alguns. A toda hora há alguém tentando levar vantagem, seja sonegando impostos, pagando propina para livrar-se da burocracia, fazendo ligações clandestinas de TV a cabo, água ou luz, adulterando e falsificando documentos, ou ainda comprando produtos piratas, estacionando em fila dupla e furando fila. Quem não aproveita essas "facilidades" é chamado de ingênuo.
Até ter o nome "sujo na praça" para alguns deixou de ser motivo de constrangimento. O consumidor é seduzido pelo aumento da oferta de crédito, mas esquece que seu rendimento não cresce na mesma proporção e acaba na inadimplência. Para conseguir quitar suas dívidas, contrai novo crédito, tornando-se um eterno devedor. E o pior: se acostuma a essa situação. Da mesma maneira, a "palavra dada" já não tem o mesmo peso de antigamente, quando contratos não eram necessariamente assinados.
O comportamento moral da geração atuante hoje no País é muito diferente se comparado ao de épocas anteriores. Para Aleksandro Clemente, membro da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB/SP e do Idecrim (Instituto de Defesas Criminais), isso ocorre porque a geração atual não tem ideais: "Hoje se valoriza mais o "ter" do que o "ser". Por isso os valores dessa geração são apenas o dinheiro, o carro, a beleza, o físico perfeito, e não a solidariedade, a amizade, o respeito, o cumprimento da palavra dada, a religião, a família...".
E a impunidade agrava esse quadro, acredita o advogado. "Na medida em que a impunidade vai se tornando regra, perde-se a percepção de que o indivíduo deve pautar sua conduta nos valores éticos e morais". Clemente acrescenta: "Rui Barbosa, um dos maiores juristas que o Brasil já teve, dizia que chegaria o dia em que, de tanto ver os desonestos triunfarem, o cidadão de bem teria vergonha de ser honesto. E este dia está perto!"
Corrupção
A ética está em pauta em todo o País e não só porque estamos em ano eleitoral, mas sim porque o Brasil parece viver a pior crise moral de sua história. O combate à corrupção nunca se fez tão necessário. Apesar disso, políticos denunciados por envolvimento em esquemas fraudulentos apareceram pedindo voto no horário de propaganda gratuita, apostando na memória curta, no desconhecimento ou no perdão do eleitor. E não foram poucos os eleitores que absolveram seus candidatos antes da Justiça.
Recentemente, declarações de alguns artistas geraram polêmica. O ator Paulo Betti, conhecido por seu engajamento político, afirmou que "não dá pra fazer política sem sujar as mãos". Mais tarde, Betti disse ter sido mal compreendido. No mesmo episódio, o músico Wagner Tiso declarou não estar preocupado com a ética do PT e que o partido fez o jogo que tem que fazer para governar.
Já o senador Jefferson Péres, candidato a vice-presidente na chapa do PDT, para quem o atual Congresso é o pior que ele já conheceu, mostrou sua indignação e desencanto anunciando o fim de sua carreira política. O senador revelou ainda estar decepcionado com parte do povo e da elite, que, segundo ele, "compactua" com o que está ocorrendo, mesmo estando bem-informada.
Aleksandro Clemente admite que a recente crise política do País mostrou que muitos atos de corrupção sempre foram praxe no cenário político brasileiro, embora só agora fossem escancarados, mas contradiz a regra "a ocasião faz o ladrão". Para ele, a ocasião não faz, ela "mostra" o ladrão: "Uma pessoa honesta não se tornará desonesta só porque lhe apareceu a oportunidade. É uma questão de formação."
De acordo com Clemente, a banalização da corrupção leva a população a aceitar e perdoar os corruptos. "Quando se olha para a corrupção como uma coisa banal que "todo mundo faz", ou quando se diz que "todo político é corrupto", isso gera uma sensação de que não adianta lutar para mudar, pois tudo vai continuar do mesmo jeito. E isso é prejudicial, pois as pessoas vão se acostumando com o errado e o certo passará a ser exceção."
Crise Moral
Clemente acredita que a crise moral e ética pela qual passamos, vem da cultura hedonista que tomou conta das sociedades modernas. "Atualmente, prevalece a idéia de que são mais importantes os "meus" bens, a realização das "minhas" vontades, o "meu" prestígio pessoal e o "meu prazer imediato". Assim, o indivíduo passa a agir de modo que os seus interesses prevaleçam sobre os interesses coletivos e não o contrário, como deveria ser. Na atual sociedade, principalmente na classe política (mas não só nela), não há mais o respeito pelos bens coletivos, daí a nossa falência em termos de moralidade e ética".
Apesar do quadro desestimulante apresentado, fica a pergunta: é possível reverter toda essa situação? Para Clemente é preciso que as pessoas passem a dar maior importância às questões políticas do país: "Tem que aprender a gostar de política, porque ela influencia a vida de todos. Tem que se organizar, reivindicar, cobrar, e, sobretudo, tem quer ter espírito de solidariedade". Depende, portanto, de gestos e atitudes de cada um de nós, em nossas casas, no trabalho e, principalmente, em nossa vida na comunidade.
É necessário que cada um faça a sua parte, tendo claro que nem tudo que é legal, é moral ou justo. E Aleksandro Clemente lembra: "Mesmo a Lei pode trazer efeitos negativos à sociedade. Isso porque ela é feita por homens, os mesmos homens que muitas vezes carecem de valores éticos e de senso de justiça".
Luciana de Melo
Segundo o Dicionário Aurélio:
Moral
sf – Filos. - Conjunto de regras de conduta ou hábitos considerados como válidos, para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada.sm - O conjunto das nossas faculdades morais; brio, vergonha.
Ética
sf – Filos. - Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto.

segunda-feira, setembro 25, 2006

O Patriota

Caminhada do Dia da Dignidade Nacional (16/07/06) Organizada pelo Movimento Reforma Brasil
na Av. Paulista em São Paulo. Após discursar, Aleksandro Clemente levanta a Bandeira da Pátria ao som do Hino Nacional. É isso aí: Reforma Brasil!

quarta-feira, setembro 13, 2006

A Tutela Jurídico-Penal das Relações de Consumo



Por Aleksandro Clemente

A TUTELA JURÍDICO-PENAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Sumário: 1.1. Evolução histórica da proteção do consumidor; 1.2. Bases Constitucionais; 1.3. O modelo de micro-sistema com normas de ordem pública e de interesse social; 1.4. Crimes contra as relações de consumo em outros diplomas legais; 1.5. A polêmica em torno da tutela penal nas relações de consumo. 1.6. Conclusão.
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1.1 - Evolução histórica da proteção do consumidor

Desde os tempos mais remotos, sempre ouve quem fabricasse ou vendesse alguma coisa e quem a comprasse. Ocorre que, até o século XVIII, as relações comerciais eram mantidas basicamente entre o artesão e o comprador, sendo que este adquiria a mercadoria diretamente daquele e em quantidade suficiente para a satisfação das suas necessidades. Em regra, se o comprador se sentisse lesado pelo vendedor entendia-se diretamente com ele. Em outras palavras, as transações comerciais eram mais simples e marcadas pela individualidade[1].

Com o advento da Revolução Industrial, já na segunda metade do século XVIII, o surgimento das fábricas e a produção e comercialização de bens em larga escala foi tornando as relações comerciais cada vez mais complexas. Inseriu-se uma série de intermediários entre o fabricante e o adquirente final do produto. A prestação de serviços também se aperfeiçoou e a publicidade foi se tornando cada vez mais ostensiva, com vistas a convencer as pessoas a consumir e a contratar, influenciando, assim, na mudança de hábitos da sociedade. Era o começo do que hoje chamamos de sociedade de consumo.

Neste mesmo período surgem as idéias do liberalismo econômico, cujo principal pensador foi o escocês Adam Smith, para quem o Estado não deveria intervir nas relações econômicas, mas deixar que o próprio mercado ditasse suas regras[2]. Acontece que com o passar do tempo, o poder econômico e organizacional dos detentores dos meios de produção foi pouco a pouco sufocando os consumidores, os quais, vulneráveis, passaram a sofrer inúmeros prejuízos com a inserção no mercado de bens e serviços de péssima qualidade, que colocavam em risco a saúde, a dignidade e a própria vidas das pessoas.

Diante dessa realidade, tornou-se imprescindível a intervenção do Estado na economia a fim de corrigir distorções e restabelecer o equilíbrio nas relações comerciais. Desta forma, no começo do século XX, surge o modelo que temos hoje, o da intervenção no domínio econômico, no qual o Estado estabelece as regras e princípios básicos que devem obrigatoriamente ser observados pelos agentes da atividade econômica. É nesse clima que surgem as primeiras leis protetivas do consumidor, as quais buscam restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo como forma de garantir uma sadia ordem econômica.

O Direito do Consumidor, como tema de política pública, surgiu em 15 de março de 1962, com a mensagem do então presidente dos EUA, John Kennedy, enviada ao congresso americano, na qual preconizava a elaboração de uma legislação capaz de garantir ao consumidor o direito à segurança, à informação, à escolha e o de ser ouvido[3].

1.2 – Bases constitucionais

Aqui no Brasil, a Constituição Federal de 1988 previu a defesa do consumidor como um direito fundamental, previsto no inciso XXXII do artigo 5º. Também estabeleceu a proteção do consumidor como um dos princípios da Ordem Economia e Financeira do Estado, conforme previsto no artigo 170, inciso V, da Carta Magna. Além disso, o artigo 150, parágrafo 5º, determina o esclarecimento dos consumidores acerca dos tributos que incidem sobre mercadorias e serviços. No tocante à prestação dos serviços públicos, a Carta Magna, no parágrafo único, inciso II, do artigo 175, usando o termo “usuários”, diz que a lei deve dispor sobre os direitos dos consumidores de serviços públicos. Por fim, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou expressamente a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e o da isonomia (art. 5º, caput) têm perfeita aplicação no âmbito das relações de consumo[4].

1.3 - O modelo de micro-sistema com normas de ordem pública e de interesse social

Obedecendo aos ditames constitucionais, o legislador ordinário elaborou o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Trata-se de um verdadeiro micro-sistema de proteção às relações de consumo, que, amparado em princípios próprios das ciências consumeiristas (art. 4º do CDC), atua em variados ramos do direito como: civil, criminal, administrativo e processual. As normas contidas no CDC são de ordem pública e de interesse social, conforme está expresso no artigo. 1º do código. Isso significa que o consumidor não pode abrir mão dos seus direitos e as partes não podem pactuar contrariamente ao que está previsto no CDC, salvo quando expressamente permitido e sempre dentro dos limites da lei, como, por exemplo, nas convenções de consumo (art. 107 do CDC). Em razão do caráter público das normas do CDC, pode o juiz examinar ex-ofício qualquer litígio sobre relação de consumo e não incide a preclusão, podendo as questões ser analisadas e decididas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.

1.4 – Crimes contra as relações de consumo em outros diplomas legais

No âmbito penal, cabe esclarecer que não é só o Código de Defesa do Consumidor que tipifica crimes contra as relações de consumo. Também outros diplomas legais trazem no seu bojo infrações que podem afetar os interesses do consumidor e também as relações de consumo, embora não possuam o nomen iuris de “crimes contra as relações de consumo”[5].

O próprio Código Penal prevê uma série de crimes que podem atingir o consumidor e as relações de consumo, como por exemplo: art. 171 (estelionato), art. 175 (fraude no comércio), art. 272 (corrupção, adulteração ou falsificação de substância ou produtos alimentícios), art. 273 (adulteração de substância terapêutica ou medicinal) art. 274 (emprego de processo proibido ou de substância não permitida), art. 275 (invólucro ou recipiente com falsa indicação) e art. 280 (medicamento em desacordo com receita médica).

Também no âmbito da legislação extravagante há a Lei 8.137/90, que prevê os crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo, a qual traz em seu artigo 7º o elenco de tipos penais referentes a crimes contra as relações de consumo. Ainda na legislação extravagante temos a Lei 1.521/51, que define crimes contra a economia popular, dentre outras.

Portanto, todas as infrações penais previstas no CDC e nas demais leis citadas podem ser tomadas para proteção das relações de consumo, podendo ocorrer, inclusive, a hipótese de concurso de crimes. Contudo, cabe esclarecer que, por força do artigo 61 do CDC, c/c artigo 12 do Código Penal, sempre que houver conflito entre as normas que tutelam as relações de consumo, a solução se dará pela aplicação do princípio da especialidade, isto é, aplicar-se-á a Lei 8.078/90 (CDC) em detrimento das demais, por ser esta uma lei especial.

1.5 – A polêmica em torno da tutela penal nas relações de consumo

Antes da publicação do Código de Defesa do Consumidor, ainda durante sua elaboração pela comissão de juristas encarregada da tarefa, inúmeras críticas foram feitas no tocante à inserção de normas de direito penal no corpo do CDC. Alguns diziam que se estava implantando um regime de terror ao prever a pena de prisão para empresários condenados por fraudes na venda de produtos[6]. Outros, como Alberto Zacarias Toron[7], ainda sustentam a tese de que os tipos penais previstos o CDC afrontam o princípio da intervenção mínima, segundo o qual somente as infrações mais graves e que não podem ser satisfatoriamente reprimidas por outros ramos do direito (civil e administrativo) devem ser criminalizadas. Em resposta a essas críticas, José Geraldo Brito Filomeno[8], um dos autores do CDC, aduz que: “as penas sugeridas para os comportamentos delituosos previstos são efetivamente para os ‘responsabilizados por fraude na venda de produtos ou prestação de serviços’, sim, e não para os fornecedores de bens e serviços que agem corretamente”. Eliana Passarelli[9], por sua vez, afirma que a adoção de sanções civis e administrativas não seriam suficientes para frear o impulso dos que violam o CDC.

De fato, primeiramente é preciso observar que o CDC é um micro-sistema que, através de um conjunto de normas sistematicamente organizadas, busca dar proteção a um bem jurídico imaterial supra-individual, que são as relações de consumo. Em última análise, visa garantir também a ordem econômica e financeira do Estado. Assim, o interesse coletivo prevalece sobre o particular. Também é preciso ter em mente que o consumidor individualmente considerado, devido à sua vulnerabilidade, ao seu desconhecimento e até mesmo em razão do pequeno prejuízo experimentado do ponto de vista individual, não teria interesse na punição de condutas que, analisadas de um ponto de vista global, causam enorme prejuízo à sociedade. Daí por que apenas a previsão de sanções civis e administrativas não seriam mesmo suficientes para conter a ação dos maus comerciantes.

Há, portanto, um caráter preventivo e pedagógico nas normas penais do CDC. Ademais, como bem salienta Antônio Memória, antes mesmo da elaboração do CDC já existiam normas repressivas inseridas no Código Penal e em Leis Esparsas (Lei 1.521/51 e Lei 4.591/64, por exemplo)[10], que tutelavam penalmente as relações de consumo.

1.6 – Conclusão

Portanto, a tutela penal das relações de consumo encontra amparo não só no contexto histórico da economia, como também na atual ordem econômica e financeira do Estado, onde a defesa do consumidor é vista como um meio de restabelecer o equilíbrio e a lisura das transações comerciais entre consumidor e fornecedor, com o fim último de proteger um bem jurídico imaterial e supra-individual que é a própria relação de consumo.

[1] Eduardo Gabriel Saad. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Ed. LTR, 5ª edição, revista e ampliada, p. 24.

[2]Wikipédia, A Enciclopédia Livre, Revolução Industrial, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Industrial#O_liberalismo_de_Adam_Smith, acesso em: 21/08/2006 às 21:00 h
[3] BARROSO FILHO, José. A tutela penal das relações de consumo . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2006.
[4] Marcus Cláudio Acquaviva, Vademecum Universitário de Direito, (Constituição Federal), 2003, Ed. Jurídica Brasileira.
[5] Marco Antônio Zanellato, Manual dos Crimes Contra as Relações de Consumo (Crimes Contra as Relações de Consumo), CENACON, Ministério Público do Estado de São Paulo, Imprensa Oficial. São Paulo, 1999, p. 279.
[6] José Geraldo Brito Filomeno, Código Brasileiro de Defesa Do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 7ª edição, Forense Universitária, revista e ampliada até 2001, p. 604.
[7] Alberto Zacarias Toron, Aspectos Penais da Proteção do Consumidor, Direito penal Empresarial (Tributário e das Relações de Consumo) p. 14/5, apud, Eliana Passarelli, Dos Crimes Contra as Relações de Consumo, São Paulo, 2002, Saraiva, p.38.
[8] Ob. Cit. pg. 604.
[9] Eliana Passarelli, Dos Crimes Contra as Relações de Consumo, São Paulo, 2002, Saraiva, p.38.
[10] MEMÓRIA, Antonio Ricardo Brígido Nunes. O CDC e os crimes contra as relações de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 89, 30 set. 2003. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2006.

sábado, setembro 09, 2006

Família e Aborto

por Aleksandro Clemente

Narra o Livro do Gênesis que “... Deus criou o homem à sua imagem; (...) E os criou homem e mulher. E Deus os abençoou e disse: Sejam fecundos, multipliquem-se...” (Gn.,Cap.1, v.27). O texto bíblico citado nos ensina coisas importantes acerca das quais devemos refletir.
Primeiro, a bíblia ensina que Deus, que é o criador, fez o homem “à sua imagem”. Isso quer dizer que na história da criação o homem é o ponto máximo da obra divina; tanto assim que é a própria imagem de Deus refletida na terra. Além disso, o texto diz que Deus nos fez “homem e mulher”, numa prova de que no projeto de Deus não há espaço para o machismo nem para o feminismo, mas sim para o companheirismo, devendo ambos os sexos se respeitarem mutuamente e trabalharem unidos na construção do Reino. Em seguida, a bíblia diz que Deus abençoou o ser humano e disse: “sejam fecundos, multipliquem-se”. Ora, a fecundidade desejada por Deus significa que homem e mulher, unidos em matrimônio, receberam o dom de participar ativamente do processo de criação, gerando vida e espalhando amor na comunidade, sendo, portanto, co-criadores do Reino de Deus. Assim, a partir da família o ser humano dá continuidade à obra de Divina.
Por isso, homem e mulher, unidos pela força do amor, devem se transformar em “uma só carne” (Gn. Cap. 2, v. 24) e transmitir as bênçãos de Deus de geração em geração através dos filhos, que são os frutos mais preciosos do casamento. Além disso, ao gerar e educar seus filhos com base no amor, o casal assume também seu papel de co-responsáveis pela construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, onde a paz e a harmonia possam prevalecer. Nesse contexto, portanto, a família é sagrada e base de todo o corpo social. Talvez por isso, o Papa João Paulo II tenha dito que a família é o “Santuário da Vida”.

Mas ultimamente a família vem sendo alvo de muitos ataques. E o aborto revela-se como um dos ataques mais cruéis que se pode cometer contra a família. Isso porque o aborto destrói não só uma vida humana mas também o maior fruto do matrimônio que é o Filho. Numa dimensão espiritual, o aborto não é outra coisa senão um grave pecado contra o maior dom que Deus deu ao ser humano: o de gerar vida. No Brasil, essa ameaça à vida e à família se manifesta através do Projeto de Lei 1.135/91, que tramita na câmara dos deputados. Tal Projeto de Lei prevê a revogação dos artigos 124, 126, 127 e 128 do Código Penal, permitindo, com isso, que seja decretada a morte do nascituro até momentos antes do parto. O mais triste é que, escondendo-se atrás do rótulo de defensoras dos direitos das mulheres, as chamadas “feministas” propõe à mulher brasileira a prática do aborto como método de controle da natalidade, como se a liberdade e a felicidade feminina estivessem condicionadas à ausência de filhos, o que, convenhamos, contraria a própria natureza da mulher, pois, em todas as espécies, a maternidade é a maior graça que Deus concedeu ao sexo feminino.

Essa distorção de valores tem feito muitas mulheres enxergar a maternidade como um empecilho às suas conquistas pessoais. Mas o filho não deve ser visto nunca como um fardo e sim como um milagre a ser multiplicado pela ação dos cônjuges, os quais recebem a incumbência de fazer da família um verdadeiro santuário, um lugar sagrado onde a vida acontece.

Vida sim, aborto não!
Viva a Vida!
Dr. Aleksandro Clemente é Advogado, Conselheiro Tutelar em São Paulo, Membro da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB/SP, Professor de Bioética e Biodireito no Instituto de Teologia São Miguel, Coordenador da Comissão de Bioética e Defesa da Vida da Diocese de São Miguel Paulista e Presidente do Movimento Juristas Pela Vida (e-mail: dr.aleksandro@hotmail.com).
AUTORIZADA AMPLA DIVULGAÇÃO DESDE QUE RESPEITADO O TEXTO ORIGINAL E DIVULGADA A FONTE.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Saúde é Dever do Estado


Por Aleksandro Clemente
A República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Com base nisso, o artigo 196 da Constituição Federal estabelece que a saúde é um “direito de todos e um dever do Estado”. Assim, o Estado tem a obrigação de garantir saúde aos cidadãos, desde os mais pobres aos mais ricos, sem nenhuma distinção. Por isso, nos termos da lei, quaisquer tipos de exames, remédios, internações ou tratamentos devem ser disponibilizados ao cidadão através do sistema público de saúde.
Na prática, sabemos que não é bem assim que funciona a coisa, haja vista o desleixo do Estado para com a saúde pública. Entretanto, a situação vem mudando nos últimos anos, pois, cada vez mais as pessoas estão tomando consciência desse direito e estão exigindo do poder público o seu cumprimento. Segundo reportagem do jornal “O Estado de São Paulo” de 05/02/2006, entre 2004 e 2005, só no Estado de Goiás, o número de decisões judiciais determinado que o Estado cumpra seu papel aumentou de 72 para 216. De fato, o poder judiciário tem se mostrado bastante sensível a esta questão e inúmeras decisões têm sido proferidas no sentido de obrigar o Estado a fornecer tratamento médico adequando ao cidadão.
Para exigir esse direito, o doente precisa contratar um advogado para promover a medida judicial cabível. Se não tiver condições financeiras, poderá obter o auxílio da Procuradoria da Assistência Judiciária, que presta assessoria jurídica gratuita aos necessitados. Em casos de urgência, poderá ser pedida uma decisão liminar para que o doente vá recebendo o tratamento enquanto tramita o processo. Com relação aos remédios, é importante destacar que todo e qualquer medicamento pode ser pedido, mesmo os que ainda não chegaram ao Brasil, porque se o paciente necessitar e a justiça determinar, o Estado deve importar o produto. Mas lembre-se: a receita ou o parecer médico atestando a necessidade do tratamento é sempre indispensável.
Desta feita, o cidadão pode e deve exigir que o Estado lhe garanta a saúde. Mais do que um direito, isso é um ato de cidadania.
AUTORIZADA AMPLA DIVULGAÇÃO DESDE RESPEITADO O TEXTO ORIGINAL E CITADOS AUTOR E FONTE

segunda-feira, setembro 04, 2006

O Direito à Vida e a Questão do Aborto


por Aleksandro Clemente

Tramita na Câmara dos Deputados o substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.135/91, apresentado pela Deputada Jandira Feghali do PC do B/RJ, que visa legalizar o aborto no Brasil. O substitutivo apresentado pela deputada comunista prevê a revogação dos artigos 124, 126, 127 e 128 do Código Penal, permitindo, com isso, que seja decretada a morte do nascituro até momentos antes do parto.
O assunto é delicado e exige uma análise sobre vários ângulos: político, social, jurídico, moral, religioso, filosófico etc. No entanto, gostaria de tecer alguns comentários acerca das questões jurídicas que envolvem o tema, sobretudo no tocante ao direito à vida.
O direito à vida é um direito fundamental do homem, porque é dele que decorrem todos os outros direitos. É também um direito natural, inerente à condição de ser humano. Por isso, a Constituição Federal do Brasil declara que o direito à vida é inviolável. Diz o artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...” (grifei). Sabemos que todos os direitos são invioláveis; não existe direito passível de violação. Mas a Constituição Federal fez questão de frisar a inviolabilidade do direito à vida exatamente por se tratar de direito fundamental. Importante lembrar que a Constituição Federal é a Lei Maior do país, à qual devem se reportar todas as demais leis. Além disso, os direitos previstos no artigo 5º da Constituição Federal são “cláusulas pétreas”, isto é, são direitos que não podem ser suprimidos da Constituição, nem mesmo por emenda constitucional.
Não só a Constituição Federal do Brasil declara a inviolabilidade do direito à vida, como também acordos internacionais sobre Direitos Humanos que o Brasil assinou afirmam ser a vida inviolável. O principal desses acordos é Pacto de São José da Costa Rica, que em seu artigo 4º prevê: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (grifei). O Pacto de São José da Costa Rica entrou para o Ordenamento Jurídico Brasileiro através do Decreto 678/1992 e tem status de norma constitucional, vale dizer, deve ser observado pela legislação infraconstitucional.
Pois bem, se é indiscutível que a vida é um direito fundamental, e que a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica o declaram inviolável, só nos resta saber quando começa a vida. Para isso nos valemos da ciência. Desde 1827, com Karl Ernest Von Baer, considerado o pai da embriologia moderna, descobriu-se que a vida humana começa na concepção, isto é, no momento em que o espermatozóide entra em contato com o óvulo, fato que ocorre já nas primeiras horas após a relação sexual. É nessa fase, na fase do zigoto, que toda a identidade genética do novo ser é definida. A partir daí, segundo a ciência, inicia a vida biológica do ser humano. Todos fomos concebidos assim. O que somos hoje, geneticamente, já o éramos desde a concepção.
É baseado nesse dado científico acerca do início da vida que o Pacto de São José da Costa Rica afirma que a vida deve ser protegida desde a concepção. E mesmo que não o dissesse expressamente isso seria óbvio, pois, a lei deve expressar a verdade das coisas, e se vale da ciência para formular seus preceitos. Ademais, reconhecendo que a vida começa na concepção, o Código Civil Brasileiro, em harmonia com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da Costa Rica, afirma em seu artigo 2º que: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (grifei). Ora, se a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro, parece óbvio que ela põe a salvo o mais importante desses direitos, que é o direito à vida. Como bem leciona o Profº. Ives Gandra da Silva Martins, seria contraditório se a lei dissesse que todos os direitos do nascituro estão a salvo menos o direito à vida.
Sendo assim, todo ataque à vida do embrião significa uma violação do direito à vida. Por isso é que o atual Código Penal Brasileiro prevê punição para aqueles que atentem contra a vida do embrião, com penas que vão de 01 (um) a 10 (dez) anos de prisão. O mais interessante é que o crime de aborto está previsto no Título I da Parte Especial do Código Penal, que trata dos “Crimes Contra a Pessoa”, e no capítulo I daquele título, que trata dos “Crimes Contra a Vida”, o que demonstra claramente que a lei brasileira reconhece o embrião como uma pessoa viva!
Assim, com base científica e jurídica, nenhuma lei que vise legalizar o aborto no país pode ser aprovada. Se isso acontecer, estaremos violando a Constituição Federal, os Pactos sobre Direitos Humanos que o Brasil se obrigou a cumprir e todo o Ordenamento Jurídico Brasileiro. É nesse contexto que deve ser analisado o Projeto de Lei 1.135/91.
Concluo dizendo que se os parlamentares e o povo brasileiro não se preocuparem em aprovar leis que verdadeiramente promovam a felicidade e o engrandecimento do ser humano, sem violar os direitos fundamentais expressos na constituição, a sociedade brasileira está fadada ao fracasso. E apenas para refletir, deixo aqui uma frase do filósofo Montesquieu, extraída do livro “O Espírito das Leis”, que diz: “Tal é o efeito das más leis, que é preciso fazer leis ainda piores para conter o mal das primeiras”.
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